Toda organização tem problema de comunicação, dizem. Em quase vinte anos de experiência na área vejo muitas empresas, de diversos tamanhos e fases de maturidade, depositarem uma expectativa irreal no ferramental da disciplina para salvar seu negócio. A prática mostra que o problema, geralmente, é outro. Para ser efetiva, a comunicação – seja para o stakeholder que for – precisa de direcionamento, de clareza, de definições, de estratégia.
Decidir é papel da liderança
Quando começamos a planejar e executar ações de comunicação, alguns gaps saltam aos olhos, mostrando que muitas vezes falta alinhamento entre o abstrato e o concreto. Nesse momento, nos vemos em meio a um tsunami de perguntas: Por que faremos isto e não aquilo? Quais objetivos centrais guiam minhas decisões? Qual o código de conduta? E os limites que não devemos ultrapassar? O que buscamos alcançar? Por quê? Para quem?
Para comunicar bem, é preciso ter clareza sobre os nossos objetivos; e para termos objetivos, precisamos ter visão; e para esta existir, precisa de propósito. É necessária toda uma estrutura de pensamento abstrato para guiar a realização do concreto. Realizar – tornar o que é ideia, real. Mas se não há a ideia compartilhada, como torná-la real? Se a ideia ainda se encontra abstrata na cabeça do líder, como realizá-la? Como publicizá-la? No âmbito da comunicação interna, o desafio é maior: como garantir que as pessoas se comprometam com uma visão e saibam articular suas ações se o direcionamento não está claro? Parece bem óbvio, mas não é. É difícil e exige decidir sobre o que fazer e o que não fazer e isso, via de regra, envolve perder alguma coisa. Exige maturidade e disciplina.
Não culpe o mensageiro
Ações precisam ser parte de um todo, com coerência interna, a serviço de um propósito. Comunicar não é um fim em si mesmo, é uma atividade meio, fundamental para contribuir para o posicionamento desejado de qualquer organização junto a todos os seus públicos. Mas para ser feita é imperativo um posicionamento desejado claro para então comunicá-lo. Como reforçar um posicionamento que não sei qual é? Como realizar, concretizar conceitos que não existem?
Focar no ferramental definitivamente não resolve a questão – pode, inclusive, gerar outros problemas e comprometer a imagem da área de comunicação e de seus parceiros, que passam a ter suas entregas questionadas. Produzir sem intencionalidade, na lógica da “fazeção”, com profissionais extremamente ocupados, com entregas desconectadas da estratégia, medidas por indicadores vazios. Não raro, vemos equipes se matando para realizar ações colocadas como parte de suas metas simplesmente para ganhar a participação nos lucros e resultados no fim do ano. Analistas e gestores confusos, com dificuldade de priorizar iniciativas. Equipes esgotadas. Recurso jogado no lixo. Desperdício de dinheiro, talento, conhecimento e do que temos de mais precioso: tempo. “O tempo define sua vida, de forma que desperdiçá-lo é, na verdade, uma forma lenta de suicídio.” ¹
Em tempos de redes sociais e outras plataformas infindáveis, o que mais se vê é deslumbramento com as ferramentas, usadas excessivamente, sem critério. Como mil tiros dados no escuro buscando acertar o alvo. Um sem número de newsletters, imagens, slogan, posts em mídias sociais, relatórios, vídeos, folders, infográficos feitos sem coerência interna, sem lógica, sem eco no que a empresa quer ser. Feitas e refeitas à exaustão, porque na verdade são um puxadinho para resolver problemas que se apresentam como consequências de decisões questionáveis ou mesmo não tomadas. Delegar à comunicação a tarefa de posicionar o negócio sozinha é esperar que o garçom traga o que você está com vontade de comer sem ter feito nenhum pedido. É preciso direcionamento, liderança, clareza, conexão.
Em busca do equilíbrio: estratégia com flexibilidade
Costumo ouvir – muito mais do que gostaria – que o desenvolvimento estratégico é rígido e lento em um mundo lean, em que tudo é rápido e muda constantemente, e que estratégia demanda muito esforço para mal ser posta em prática. Se fosse tão simples essa equação, certamente ela estaria resolvida. Portanto, convido-os a questionar a dicotomia desenvolvimento / execução no que diz respeito à estratégia, assim como Mintzberg e Cynthia Montgomerry que acreditam nesse processo como algo dinâmico e que contém organicamente a espontaneidade como premissa – a da realidade, a do mercado, a do aprendizado. Ou como no Jim Collins que trata da dificuldade e extrema importância de distinguir o que é sagrado e o que precisa de evolução constante em uma organização, o que muda e o que permanece intocável. Acredito em organizações conduzidas por seres humanos, que são formas desses seres humanos deixarem um legado para o mundo.
O círculo dourado
Usando a referência de um queridinho do Design Thinking, o Golden Circle, quanto mais dentro do círculo, mais abstrato, mais imutável, mais único, mais definitivo, quanto mais se extrapola o centro, mais concreto, mais operacional, mais passível de alteração e revisão. Se essa é uma boa prática, por que continuamos a colocar como metas as ações a serem realizadas? Não seria melhor ter o objetivo claro, com metas e indicadores reais de como será a realidade uma vez que ele tenha sido atingido e deixar espaço para que as ações sejam testadas, vistas e revistas ao longo do tempo? A estratégia de mercado, as entregas, modelos de negócio, ofertas de produtos e serviços, a logo, a linguagem, o discurso, o tom, tudo isso é alterável. Ferramentas para entregar seu propósito para o mundo. Podem mudar. Assim como os objetivos e a visão de longo prazo, principalmente porque ela é concretizada em algum momento, espera-se. Já o propósito e os valores são mais estáticos, são core, coração. Dizem de quem somos, de por que fazemos o que fazemos, de como deixamos nossa marca no mundo.
Fonte: www.mindbiz.nl
É fácil estruturar um propósito inteligível? Desdobrá-lo em uma visão? Desenvolver a partir dele, políticas e práticas? Não é. É difícil para caramba. É árduo. É preciso abrir mão de várias coisas pelo caminho. Mas é gratificante. E dá resultado. E aí voltamos à comunicação, porque é ela que ajuda a estruturar esse pensamento em palavras e traduz o resultado para o mundo. Ajuda a dar nome aos bois. A alinhar e costurar todos esses conceitos juntos, a compartilhar o que guia a ação. Uma organização é uma história, de gente que se junta para entregar valor para o mundo, em cada detalhe. A comunicação ajuda a contar a história, formalizá-la, torná-la bonita, tocante, inteligível. Mas para que seja verossímil, ela depende da decisão da liderança.
¹ Sutherland, Jeff. Scrum. A arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo. Rio de Janeiro, 2016. P. 84.