Futebol feminino: o que não é visto não é lembrado

A Seleção Brasileira entra em campo pela primeira partida da Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino às 7h da próxima segunda-feira, dia 24, contra o Panamá. E, em uma era de superexposição midiática, poucos nichos seguem tão inexplorados e oferecem tantas oportunidades de comunicação quanto o futebol feminino. Parte do esporte mais popular do mundo, a categoria jogada por mulheres vem, nas últimas décadas, se acotovelando em busca de um lugar ao sol. 

 

História centenária 

Apesar do que diz o senso comum, as mulheres jogam futebol há mais de cem anos. A Fifa considera que a primeira partida oficial entre equipes do gênero feminino data de 1885, na Inglaterra, país berço do futebol moderno. No Brasil, pesquisadores costumam apontar 1921 como marco introdutório do futebol feminino no país, tendo como referência um “jogo de futebol entre senhoritas” dos bairros de Tremembé e da Cantareira, em São Paulo, parte de uma programação de festividades juninas do Tremembé F.C. 

Em 1940, em meio ao sucesso das equipes de mulheres do subúrbio fluminense, Casino do Realengo e S.C. Brasileiro disputaram uma partida preliminar antes de São Paulo e Flamengo, no Pacaembu. Um público de 65 mil pessoas acompanhou o amistoso entre mulheres, que gerou uma comoção tamanha que se juntou às pressões nacionais que se opunham ao futebol feminino por supostas “questões de saúde”. A partir do ano seguinte e até 1979, as brasileiras seriam proibidas de praticar este e outros esportes ditos “masculinos”. 

O esporte foi regulamentado no país em 1983, mas a consolidação de um campeonato nacional oficial, a Copa do Brasil, só se deu em 2008, após uma campanha histórica da Seleção Feminina em campeonatos internacionais do período: ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2007; segundo lugar na Copa do Mundo da China, no mesmo ano; e prata nos Jogos Olímpicos de 2008. 

 

Jogadoras protestam em pódio da Copa do Mundo de 2007 (Foto: Dibradoras) 

 

Visibilidade 

Criado em 2013, o Campeonato Brasileiro só foi transmitido em TV aberta pela primeira vez em 2019, na Band. A emissora, aliás, é uma aliada antiga da categoria, tendo passado as Copas do Mundo de 2011 e 2015, além do campeonato nacional até 2022. Em 2023 e 2024, a CBF decidiu mudar o modelo de negócios dos direitos de transmissão, vendendo a exclusividade para o Grupo Globo – o acordo com a Band não envolvia valores financeiros. 

A mudança é agridoce. Por um lado, o Grupo Globo é o maior conglomerado de mídia da América Latina e o número de espectadores do campeonato subiu 225%, com um aumento de 9 pontos de Ibope em São Paulo, mais do que triplicando a maior audiência da Band no ano passado. Por outro, a emissora decidiu transmitir apenas jogos da fase de mata-mata, totalizando sete partidas, uma redução de 73% no número de partidas em relação aos 22 jogos exibidos pela Band em 2022 

Fora que, mesmo se contarmos o canal fechado SporTV, nem todas as partidas foram exibidas. Este ano, os clubes que não fossem para a grade da televisão poderiam passar as partidas em seus próprios meios, algo fora da realidade da estrutura de muitos clubes pequenos. Essa situação causou apagões, como a vitória histórica do Avaí Kindermann contra o multicampeão Corinthians, que não foi assistida por ninguém que não estivesse no estádio no dia. Em entrevista ao programa Joga Junto, do UOL Esporte, Maressa, meio-campista do São Paulo, conta que a falta de transmissão prejudica a própria preparação das equipes, que não conseguem estudar as adversárias. 

 

Popularizar 

Quem frequenta a sessão de comentários de conteúdos produzidos sobre futebol feminino nas redes sociais e nos portais de notícia já cansou de ler internautas alegando que a categoria está sendo “empurrada goela abaixo” dos telespectadores, que “não tem público” para assistir as partidas. À parte de toda a misoginia envolvida em tais pensamentos, é interessante para nós, comunicadores, refletirmos: o que vem primeiro? A popularidade ou a cobertura de mídia?  

Como diz Gabriela Matos em artigo do Foothub, plataforma educacional especializada em aprimoramento profissional no campo do futebol, “a mídia exerce uma grande influência sobre as pautas que direcionam o nosso dia a dia. Ela não é necessariamente capaz de dizer para as pessoas o que pensar sobre um determinado assunto, mas sobre quais assuntos pensar”. O texto traz ainda o dado de que, no Brasil, apenas 2,7% da cobertura da mídia é focada no esporte feminino, 37 vezes menos do que no masculino. 

Mas as notícias não são apenas negativas. Em estudo da Universidade de Durham financiado pela Fifa, pesquisadores levantaram a cobertura da imprensa inglesa durante as Copas do Mundo de Futebol Feminino da Fifa de 2015 e 2019 e constataram um aumento de seis vezes do número de artigos em jornais e de sete vezes de matérias de capa. Em 2019, não foram registrados artigos que sensualizam a imagem das jogadoras, além de haver redução da linguagem considerada “infantilizante”, como “meninas”, e aumento de termos que simbolizam força e orgulho, como a alcunha “leoas”. 

Os torcedores entrevistados sentiram que a cobertura crescente e respeitosa desafiou as atitudes sexistas, levando a um maior respeito e valorização do futebol feminino. Eles criticaram a limitação temporal, em que a cobertura se limitava à Copa do Mundo e não continuava consistentemente depois. Em entrevista ao site Meio & Mensagem sobre a Copa do Mundo 2023, a diretora de eventos esportivos da Globo, Joana Thimoteo, afirma que a emissora percebeu que “a modalidade é negócio, não só por posicionamento, mas também é um objeto comercial que precisamos explorar mais”.  

Realizada na Austrália e na Nova Zelândia, essa edição da competição traz um desafio extra: “o fuso horário é complexo e, para gerarmos conexão com o público, é mais complexo ainda. Tenho que fazer todo mundo acordar para torcer pelo Brasil, que joga às 7h da manhã”, diz Joana. Mesmo assim, a diretora afirma que a procura das marcas aumentou, com relação a 2019.  

Entre as patrocinadoras do futebol feminino no Brasil, o Guaraná se destaca. Em 2020, quando eu ainda fazia parte de um projeto de fomento ao futebol feminino do Clube Atlético Mineiro, o Galo Delas, nós participamos de uma ação da marca de refrigerante no Twitter em que outras empresas eram convocadas a apoiar o esporte de mulheres. As que aderiram ao movimento tiveram seus nomes estampados em latas comemorativas e o lucro foi revertido ao projeto Meninas em Campo. Em todo Dia Internacional das Mulheres, desde 2021, o Guaraná promove uma ação relacionada ao futebol feminino. 

 

Oportunidades: converse sobre inclusão e diversidade 

Neste ano, pela primeira vez, o governo publicou uma portaria que permite a adoção de ponto facultativo para servidores públicos federais nos dias de jogos da Seleção Brasileira Feminina de futebol durante a Copa do Mundo. Empresas privadas aproveitam o momento e aderem ao movimento, liberando funcionários ou disponibilizando televisões para que acompanhem as partidas.  

A comunicação interna tem muito a ganhar com este cenário, pois o futebol feminino levanta questões sobre equidade de gênero, saúde e bem-estar através da prática de esportes, fortalecimento de laços em comunidade. É uma ótima oportunidade para promover ações de endomarketing: que tal um bolão entre as equipes? Por que não aproveitar para conhecer melhor as nações participantes do torneio, que muitas vezes têm filiais da sua empresa? 

 

 

Petra Fantini
Analista de Comunicação

 

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