Sob a superproteção da censura

A tentativa de evitar o rompimento da bolha do conservadorismo se apresenta de inúmeras formas. Inclusive fantasiada de proteção de mães, pais e estados zelosos pela educação de seus filhos imaculados.  

Nesta semana, fui bombardeada por algumas delas. No meu universo particular, assisti, estupefata, a um grupo de mães e pais espernearem por causa de uma foto no livro de História. A imagem mostrava uma passeata de mulheres contra o racismo e datava de 2018, pouco após o assassinato de Marielle Franco. Presente ainda que ausente na foto, Marielle foi o estopim para um show de horrores, sendo execrada neste grupo de WhatsApp por ser “feminista, bissexual e não representar a tradicional família brasileira”.  

No dia seguinte, sem nem ainda ter me recuperado do baque, ao lado de milhões de brasileiros me indignei diante da censura e recolhimento do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, em três estados brasileiros. Através da história de Pedro, o livro escancara o racismo que mata todos os dias no Brasil. O (pseudo)motivo da censura? A escrita – que diga-se de passagem leva o leitor a querer devorar o livro numa sentada – com palavras de baixo calão e sobremaneira sexualizada, inadequada, portanto, aos jovens. Jovens, vale lembrar, que já até debutaram na sociedade, muitos em festas suntuosas regidas por MCs, conhecidos por suas melodias recheadas de palavras tão nobres quanto as condenadas no romance de Tenório.  

Tamanha superproteção não passa batida. Nem seus intuitos mais secretos, no caso, de esconder outra violência. Estamos falando dela, a violência diária do racismo que mantém esses mesmos jovens e suas famílias na bolha dos privilegiados. Há quem diga que tanto zelo esconde um medo paralisante: perder seus “direitos adquiridos” ou mesmo dividi-los com aqueles que não são dignos de sentar à mesma mesa, estudar na mesma escola, dividir o mesmo voo, ocupar posições de liderança. 

O medo grita, congela, reforça o pacto do silêncio absoluto, afinal, é feio (ou melhor dizer, crime?) colocar em palavras. Ademais, elas são desnecessárias quando os olhares já dizem muito e entendem tudo. Só que essa peneira não consegue mais tampar o sol que deixava as sujeiras na sombra ou debaixo do tapete e longe do debate.  

Felizmente, nesse caso a superproteção saiu pela culatra. Após a censura, “O Avesso da Pele” teve aumento de 400% nas vendas, deixando claro que furar a bolha é preciso e inevitável. Não adianta espernear, proibir, censurar. Não mais. 

Texto de Lilian Ribas

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